segunda-feira, outubro 31, 2005

Lá de Longe

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Vinha no vapor de Portimão a Lisboa quando passei os olhos numa cegonha pensativa, que do alto do seu ninho contemplava o horizonte.

Coitada da cegonha! Hoje é apenas um animal que conservamos por dever, órfã de atenção. Durante gerações, as crianças julgaram que ela os trouxera ao mundo, pelo laço de um lençol branco.

Adivinhei-lhe a tristeza naquela manhã de Domingo.


Tristes estão também as crianças.
A sinceridade ingénua dos pais, e a sua dificuldade em tratar o natural com imaginação, retirou-lhes o melhor da sua infância (têm agora uma noção mais útil, que os meninos nascem da barriga das mamãs e que é da semente dos papás que eles brotam!) Penso que a confusão era menor se a cegonha voltasse a trabalhar e os efeitos psicológicos não acho que fossem catastróficos. Mas é a evolução:

As raposas deixaram de ter romances e as lebres e as tartarugas fingem hoje que não se conhecem. Ao leão tiraram-lhe a coroa, pois era perigoso haver dois soberanos, e ninguém ouve mais o canto da cigarra.

Os animais fabulosos vivem hoje num mundo que ninguém evoca. Quantas crianças cresceram alimentadas pelo mágico, pela fantasia e este mágico e esta fantasia eram a única riqueza que possuíam, a única janela aberta para o mundo?

Acho que as nossas crianças vivem hoje mais pobres. As histórias que vêem na tv não passam de programas sem beleza e vazios de conteúdo.

Vivemos, segundo me explicaram, o princípio da democracia. Achámos que era errado inculcar valores nas crianças, - “que era coisa de outros tempos, do tempo do outro senhor”. Temos um ensino laico, novas pedagogias, crianças “melhor preparadas para a vida” e a fantasia e a mágica parecem-me ter sido filtradas na nova censura instalada.

Esquecemo-nos que as fábulas foram criadas para ajudar-nos, autênticas alegorias que são à boa convivência em sociedade.

Esquecemo-nos que elas nos acompanham desde o início do mundo, e que a história só é possível graças à magia, com a qual se liga muitas vezes.

As fábulas e a magia marcaram as grandes civilizações antigas, desde a Índia a Helas, de Bizâncio a Roma.

Será que as novas pedagogias não serão melhores se tiverem sentido histórico... ou estamos interessados em criar cidadãos desligados do seu passado histórico e mágico.

Deixo-vos a pergunta que quero ver reflectida:

Na nossa vida será tudo tão objectivo? Nunca deram conta, na vossa casa, de coisas que gnomos e duendes vos esconderam, apenas para brincarem connosco? Nunca deram com pardais a conversar com os periquitos da nossa varanda? Nunca viram uma nuvem com forma de coelho e tiveram a certeza que não era um acaso?

Enquanto não estivermos abertos para o outro mundo que vive a par do nosso, os seres que neles vivem vão fazer de tudo para nos chamar à atenção.

E as nossas crianças vão agradecer aos pais se lhes mostrarem o outro mundo... afinal, ele é muito melhor do que este que estamos a construir!

Percam um tempo e descubram no baú das memórias estas histórias. Tenho a certeza que será um momento rico para ambos! Aproveitem as inúmeras edições saídas pelo bicentenário de Christian Anderson e afastem estas cortinas pesadas do quarto dos vossos filhos!

4 Opiniões

Anonymous Anónimo said...

Tava muito inspirado o mano! Só lhe falta arranjar-me um sobrinho e passar à prática.

Gostei muito :)

segunda-feira, 31 outubro, 2005  
Blogger Siddhichandra said...

Mana: como andam as coisas só se for um sobrinho a pilhas!

Pólux: foi uma agradável surpresa a tua visita! Ainda bem q
gostaste... sonhar é dos prazeres melhores que existem... e que não se pagam!

Gostei do video! Muito divertido!
Volta sempre!

terça-feira, 01 novembro, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Tou endido. Quando a minha filha me disser que está um peixe na poça de água do passeio vou assentir com a cabeça e dizer que vejo dois. E que são vermelhos. :-)

Quanto ao "Concierto de Aranjuez" aqui referido pelo Polux, é realmente uma excelente obra. Recomenda-se.

quarta-feira, 02 novembro, 2005  
Blogger Siddhichandra said...

E como mago que és, além dos peixes podias criar mais animais marinhos: sereias, cavalos marinhos, ninfas, tudo para a tua filha! Magias próprias de um "mago"!

Nunca devemos confiar nos nossos sentidos.. em especial a visão! devemos tentar usar mais a intuição... e a imaginação!

Um abraço para o Mago! :)

quarta-feira, 02 novembro, 2005  

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