quarta-feira, março 01, 2006

Limites da privacidade moderna

Hoje queria comentar algo que me fez pensar:

Uma vez, há uns anos, dei com uma irmã minha a forrar com uma folha branca um livro que tinha comprado.

Eu interrompi perguntando-lhe o motivo. Ela disse que não gostava de ir em transportes públicos e que as pessoas lessem os títulos dos livros que ela lia.

Eu disse: faz sentido, tu és gira, as pessoas podiam sentir-se no direito de meter conversa contigo... ou porque leram o mesmo livro, ou porque gostariam de ler, ou porque está um lindo dia de sol... Ela assentiu!

Isto passou.. Comecei a notar que era um hábito regular entre raparigas. Forravam os livros.. e só a pessoa que ia ao lado é que poderia espreitar e saciar a curiosidade sobre o interesse da companheira de viagem. Eu próprio o faço discretamente!

Entretanto passaram uns anitos e vejo que não são apenas as mulheres mas há homens que forram os livros antes de os lerem no comboio da linha de sintra! Isto é fantástico.

Estou a vê-los a chegarem a casa depois do trabalho, com um saco da FNAC com um livro e uns cd's (n faço julgamentos sobre quais) e enquanto a Laurinda faz a comida e o Miguel os deveres, o Alberto, pai de família e gestor de uma multinacional há 5 anos no país, forra o livro com fita cola e uma folha A3 que comprou no LE ROY MERLIN para forrar gavetas.

Pergunta: Sinceramente não sei qual é que hei-de colocar...

3 Opiniões

Blogger Kisa said...

Forrar os livros que se lê em público é uma crueldade.
Eu já comprei livros porque vi alguém a lê-los nos transportes públicos e o título me despertou a atenção. E chega a ser forma de nos mantermos actualizados sobre o que sai e o que se lê. Além disso, nunca vi ninguém «a meter-se» com ninguém para comentar a leitura.

Penso que quem forra os livros tem medo de ser julgado pelo que lê. Mais um sinal do medo de ser gozado pelos outros?

PS: lembro-me da minha mãe a «ralhar» comigo quando li o famoso «Mulher procura homem impotente para relacionamento sério»: não tens vergonha de ler esse livro à frente de toda a gente? o que é que vão pensar?

quinta-feira, 02 março, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Eu sou então a famosa irmã :)

Sinto então a necessidade de me defender e aqui vai. Pois claro que já se meteram comigo aquando da leitura de um livro no metro. Por acaso na altura lia pela segunda vez um livro que considero ternurento e para que conste era a Dama das Camélias do Alexandre Dumas Filho. Tenho um carinho especial por ele. Na altura era apenas um velhinho solitário que recordava a vida parisiense da cortesã mais afamada da época, Marguerite Gautier.
Não me fez muita mossa, confesso.
Por acaso não o trazia forrado como já era meu hábito.
O que me levava a fazê-lo na altura em que andava na faculdade e apanhava os transportes públicos passa por uma questão de privacidade. Sempre achei que ninguém deve olhar para mim e obter qualquer tipo de informação para além daquela que eu pretendo dar. Gosto de tentar ter controlado aquilo que transmito aos outros. Digamos assim "esta pessoa só precisa de saber isto de mim", "aquela aquilo", e adiante. E de facto em relação aos livros reconheço em mim algum egoísmo. Devo confessar que, sendo eu da área de matemática, sempre tive hábitos de leitura. Tenho algum orgulho na pequena biblioteca que fui construindo e que me acompanha sempre nas 537 vezes que já mudei de casa. Na altura em que morava numa residência de estudantes e onde o espaço que tinha era apenas um quarto, fazia-me alguma confusão ter que receber nele colegas que traziam o intuito de meter conversa e acabariam por recolher as ditas informações acerca de mim. Para além das que eu gostaria de dar. Gosto de andar pela vida o mais despercebida possível para guardar toda a entrega para aqueles que gosto. E acreditem que o faço. Detesto que alguém que eu não goste saiba alguma coisa de mim. E de facto acabo por estar a fazê-lo neste espaço público naturalmente.

PS: quando digo "não gosto" não quero dizer desgosto, mas sim não tenho gosto, no sentido de não trago no coração. Uma questão de (im)precisão da linguagem que incomoda quem não é desta área.

E por aqui fico. Espero que alguém por aí neste mundo me tenha compreendido. Para além de todos aqueles que também forram os livros por estes ou outros motivos quaisquer.
Um beijinho e até outro dia
marina

quinta-feira, 02 março, 2006  
Anonymous Anónimo said...

O único livro que alguma vez forrei opacamente foi "Os Versiculos Satânicos" quando ia viajar de avião para a India ;)

De resto, e tal como em toda a minha vida, sou um livro aberto e de capa à mostra.

beijinhos
Raquel

quinta-feira, 02 março, 2006  

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